Uma casa velha, um sobrado antigo erguido em madeira.
Cortinas amareladas que escondiam a janela quase inteira.
Corpo tatuado, sem camisa, jogado numa poltrona em meio à sala cheia de vazio.
O cheiro de mofo impregnado nas paredes descascadas e rachadas. Úmido, fétido,
agradável. O cigarro dependurado nas mãos apoiado pelo polegar junto ao dedo
indicador, enquanto sua outra mão segurava uma garrafa de cerveja vazia.
Desajeitado, seu corpo deslizava cada vez mais em direção ao chão, seus pés descalços
pálidos e molhados com uma poça causada pela goteira.
Nada importa. Largado,
vazio. Despojo.
Escutou o rangido da porta, e se arrumou na poltrona.
– Não adianta arrumar a postura só porque estou aqui. – Ela chegou dizendo, e
rindo.
Ele, já bêbado, sorriu. Como já não fazia há alguns dias.
– Você pensa que é minha mãe, não é mesmo? Não se esqueça que essa casa é
minha. Você só mora aqui, porque é a escolhida pra eu deitar minha cabeça nos
seus seios de madrugada e te comer quando eu não estou cansado. – O que não era
comum. Canseira era a sua melhor amiga.
– E eu adoro. – Ela disse com aquele sorriso prostituto.
Havia deixado as compras em cima de uma mesa de madeira empoeirada e cheia de
formigas. Cerveja derramada, e migalhas de pão mofado que estavam em cima dali,
o incomodaram. Levantou. Dor nas costas. Devia ouvir o que ela diz com mais
freqüência. Arrumar a postura já não lhe parecia mais algo tão insignificante
como quando ainda morava com sua velha mãe.
“Filha da puta”, pensou ele. Quem diabos compraria cinco garrafas de cerveja em
pleno horário de almoço? Mas ele já não tinha noção de tempo. Estava tudo bem,
desde que ainda respirasse, e lembrou que já não comia há dias também.
Ela o convidou para um banho.
– Ainda não é sábado, baby. – Ele sussurrou no ouvido dela.
– Pare de ser um porco chato.
Seguiu pra cozinha. Abriu a geladeira velha que ficava no canto, ao lado da
mesa de formigas, e tirou um litro de leite que já estava apodrecendo. Especulou antes de falar alguma coisa, pois
já não lembrara quem havia comprado e esquecido do leite ali.
Escutou os passos pelo corredor. Ele parou na porta, encostou os braços na
parede rachada, observando todas as tatuagens espalhadas por aquela costa
delicada de alguém tão rude.
– Você é linda.
– E você não sabe mentir. – Enquanto falava, sentia mãos geladas em torno de
sua barriga quente. Arrepiou-se. Beijaram-se.
Ela pediu um cigarro e começou a fazer alguma coisa para que comessem. Ele sentado, em uma cadeira enferrujada, que
fazia um barulho insuportável quando se mexia, (e aquele móvel era o mais novo
da casa), lembrava da cena de sua mãe, todos os dias da sua vida já falecida em
que ela cozinhava para ninguém comer.
– Consegui um emprego. – Disse ela, com o cigarro na boca, encostada na pia, olhando
pra ele e esperando a água da panela ferver.
– Não precisa. Eu te sustento com sexo.
– Você só sabe mentir pra mim. Diga uma coisa que não seja mentira.
– Você é linda, mais ainda quando esta brava.
– Você é um idiota. Filho da puta.
– Eu sei. – Abriu uma cerveja e pensou em morrer. Só não o fazia, por ela. Abriu os olhos e viu que os lábios dela
estavam indo na direção dos seus.
Ela andou em direção à sala, ele foi atrás. Adorava um rabo de saia.
Ela sentiu o cheiro de mofo sendo substituído pelo cheiro do suor dele. Eles
deitaram no puff velho que ficava jogado pros gatos deitarem. Abraçaram-se, e
ficaram se olhando por um tempo. Os olhos dela eram bem escuros, e tinha umas
sardinhas pela extensão do nariz. Ele não sabia decifrar tamanha escuridão num
olhar tão simples. Mas esquecia de tudo quando se infiltrava em universo
paralelo por ali.
Esqueceram de tudo ali.
Abraçados olhavam para o teto como se desenhos hipnóticos existissem ao longo
daquela tinta mofada e velha. Viram que a água que deixará na cozinha fervendo,
já virava vapor e se espalhava por toda a casa. Por incrível que pareça,
adoravam estar ali, sem fazer nada, e sentindo o cheiro do mofo
umedecendo. Era só mais um dia que,
bêbados, acabavam sem comer e pegando no sono olhando um para o outro. Era
assim que se amavam. Amor, violência verbal, preguiça e sujeira, tudo em um
mesmo buraco.
Nada importa.
Despojo.
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