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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

#Despojo



Uma casa velha, um sobrado antigo erguido em madeira. Cortinas amareladas que escondiam a janela quase inteira. 
Corpo tatuado, sem camisa, jogado numa poltrona em meio à sala cheia de vazio. O cheiro de mofo impregnado nas paredes descascadas e rachadas. Úmido, fétido, agradável. O cigarro dependurado nas mãos apoiado pelo polegar junto ao dedo indicador, enquanto sua outra mão segurava uma garrafa de cerveja vazia. Desajeitado, seu corpo deslizava cada vez mais em direção ao chão, seus pés descalços pálidos e molhados com uma poça causada pela goteira. 
Nada importa. Largado, vazio. Despojo.
Escutou o rangido da porta, e se arrumou na poltrona.
– Não adianta arrumar a postura só porque estou aqui. – Ela chegou dizendo, e rindo.
Ele, já bêbado, sorriu. Como já não fazia há alguns dias.
– Você pensa que é minha mãe, não é mesmo? Não se esqueça que essa casa é minha. Você só mora aqui, porque é a escolhida pra eu deitar minha cabeça nos seus seios de madrugada e te comer quando eu não estou cansado. – O que não era comum. Canseira era a sua melhor amiga. 
– E eu adoro. – Ela disse com aquele sorriso prostituto. 
Havia deixado as compras em cima de uma mesa de madeira empoeirada e cheia de formigas. Cerveja derramada, e migalhas de pão mofado que estavam em cima dali, o incomodaram. Levantou. Dor nas costas. Devia ouvir o que ela diz com mais freqüência. Arrumar a postura já não lhe parecia mais algo tão insignificante como quando ainda morava com sua velha mãe.
“Filha da puta”, pensou ele. Quem diabos compraria cinco garrafas de cerveja em pleno horário de almoço? Mas ele já não tinha noção de tempo. Estava tudo bem, desde que ainda respirasse, e lembrou que já não comia há dias também.
Ela o convidou para um banho. 
– Ainda não é sábado, baby. – Ele sussurrou no ouvido dela.
– Pare de ser um porco chato. 
Seguiu pra cozinha. Abriu a geladeira velha que ficava no canto, ao lado da mesa de formigas, e tirou um litro de leite que já estava apodrecendo. Especulou antes de falar alguma coisa, pois já não lembrara quem havia comprado e esquecido do leite ali.
Escutou os passos pelo corredor. Ele parou na porta, encostou os braços na parede rachada, observando todas as tatuagens espalhadas por aquela costa delicada de alguém tão rude.
– Você é linda. 
– E você não sabe mentir. – Enquanto falava, sentia mãos geladas em torno de sua barriga quente.  Arrepiou-se.  Beijaram-se.
Ela pediu um cigarro e começou a fazer alguma coisa para que comessem.  Ele sentado, em uma cadeira enferrujada, que fazia um barulho insuportável quando se mexia, (e aquele móvel era o mais novo da casa), lembrava da cena de sua mãe, todos os dias da sua vida já falecida em que ela cozinhava para ninguém comer. 
– Consegui um emprego. – Disse ela, com o cigarro na boca, encostada na pia, olhando pra ele e esperando a água da panela ferver.
– Não precisa. Eu te sustento com sexo.
– Você só sabe mentir pra mim. Diga uma coisa que não seja mentira.
– Você é linda, mais ainda quando esta brava. 
– Você é um idiota. Filho da puta.
– Eu sei. – Abriu uma cerveja e pensou em morrer.  Só não o fazia, por ela.  Abriu os olhos e viu que os lábios dela estavam indo na direção dos seus.
Ela andou em direção à sala, ele foi atrás. Adorava um rabo de saia. 
Ela sentiu o cheiro de mofo sendo substituído pelo cheiro do suor dele. Eles deitaram no puff velho que ficava jogado pros gatos deitarem. Abraçaram-se, e ficaram se olhando por um tempo. Os olhos dela eram bem escuros, e tinha umas sardinhas pela extensão do nariz. Ele não sabia decifrar tamanha escuridão num olhar tão simples. Mas esquecia de tudo quando se infiltrava em universo paralelo por ali. 
Esqueceram de tudo ali. 
Abraçados olhavam para o teto como se desenhos hipnóticos existissem ao longo daquela tinta mofada e velha. Viram que a água que deixará na cozinha fervendo, já virava vapor e se espalhava por toda a casa. Por incrível que pareça, adoravam estar ali, sem fazer nada, e sentindo o cheiro do mofo umedecendo.  Era só mais um dia que, bêbados, acabavam sem comer e pegando no sono olhando um para o outro. Era assim que se amavam. Amor, violência verbal, preguiça e sujeira, tudo em um mesmo buraco.
Nada importa.
Despojo.


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